Estava andando a noite pela rua quando de repente me deparei com uma luz, não era uma luz qualquer, logo pude notar, a luz tinha um tom avermelhado e forte, senti o medo percorrer cada pedacinho do meu corpo e ainda continuar percorrendo por partes que nem existem do meu corpo.
Não consegui me mexer por alguns segundos, a minha volta não havia nada, eu estava indo de volta para minha casa, que ficava no meio do nada e não tinha ninguém por aqui, pelo menos não deveria ter. Foi então que a luz não me parecia mais tão forte e imponente quanto antes.
Por detrás da luz notei um vulto que a carregava, ele era alto e usava uma capa e um chapéu de palha muito maior que qualquer outro chapéu de palha que eu já havia visto, estranhamente seu rosto não aparecia, a luz apenas iluminava para frente dele, deduzi então que era uma lanterna.
Estávamos ali, parados, por mais de trinta segundos no meio do nada, apenas mato e cercas de arame farpado estavam a nossa volta, o medo já tomava conta do meu corpo, claro, eu já havia ouvido histórias de uma garotinha que desapareceu depois de aparecer uma luz vermelha, elas sumiam em meio aos gritos de desespero e chamava a atenção de todos. Depois disso nunca mais eram vistas estas garotas.
“Olá senhorita.” Disse a voz rouca do velho que brotava por detrás da luz vermelha.
“Olá Sebastião.” Logo reconheci a voz do porteiro da fazenda, fiquei aliviada e feliz, claro.
“Não está meio tarde pra senhorita tá andando sozinha por essas bandas?” retrucou Sebastião abrindo a porteira.
“Tive que visitar Jaime, ele tava muito doente até eu chegar lá.” Cocei a cabeça entrando na fazenda. “Acredito que foi coincidência ele melhorar depois que cantei para ele.”
“Não acredito e coincidência não senhorita, suas musicas sempre fizeram muito bem pro povo das redondeza.” Disse ele em um tom gentil, logo percebi que ele no fundo não acreditava no que dizia mas achei melhor ignorar.
Disse a ele que era besteira dele e segui para casa o mais rápido que pude me indagando porque Sebastião estava com uma lanterna vermelha.
Não consegui dormir aquela noite pensando sobre Sebastião, ele sempre dormia em um casebre perto da porteira caso precisasse espantar os cachorros que andavam pela estrada, talvez seja por isso que ele carregava a luz vermelha, mas ainda sim era estranho.
Decidi então ir averiguar, afinal, não iria me conter com aquela coisa cutucando a minha nuca enquanto eu estava deitada, algo errado estava.
Saí correndo de casa, adorava correr na chuva e esta chuva estava com certeza castigando a plantação de meus tios.
Quando cheguei na soleira da porta da casa de Sebastião eu fiquei por um tempo parada olhando para dentro pela janela tentando ouvir alguma coisa, felizmente eu não tinha problemas em incomodar as pessoas tarde da noite, todos ali gostavam muito de mim e ficavam felizes em me ver, mesmo que em horários infelizes como este.
Quando entrei de fininho pela janela aberta da sala (não sei porque não achei estranho na hora uma janela aberta no meio de uma chuva torrencial). A casa estava encharcada e cheia de goteiras, não tinha muita coisa também, nem luz direito havia, o lampião que sempre era deixado aceso na frente da casinha estava apagado e a luz que havia mesmo vinha da fraca luminosidade do poste em frente a casa.
Descobri então que não tinha ninguém ali, nem Sebastião e nem sinal de nenhuma horripilante lanterna vermelha.
“ME SOLTA! ME SOLTA” ouvi um grito vindo da porta da frente e tentei me esconder o melhor que pude.
“Porque tá fazendo isso moço?” disse a voz chorosa sendo arrastada pelos cabelos.
Sebastião nem respondeu a pergunta, abriu uma portinha escondida que dava para uma escada que escondia no seu fundo e escuro fim um mundo de coisas que ninguém gostaria de conhecer.
Fui atrás deles é claro, talvez a decisão mais errada que já tomei em minha vida até hoje. Poucos degraus depois eu tropecei não foi uma queda como aquelas lentas que vemos tudo acontecer devagarzinho e dai você se estatela no chão e se machuca e chora e se levanta e se cuida, foi mais do tipo de queda que não se nota que está caindo até acordar depois de ficar inconsciente por alguns minutos pelo menos e com aquela bela dor de cabeça e galo brotando entre os fios de cabelo.
Era uma sala suja e escura, mas eu não era a única ali amarrada em um canto da parede, era uma pobre garotinha com longos cabelos loiros e olhos verdes, não devia de ter nem quinze anos.
Se eu sabia de algo, esse algo era uma música, sabia da música, sabia do bem que ela fazia até mesmo ao coração mais rancoroso e murcho, exatamente o tipo de coração que sentia batendo no peito de Sebastião.
“Se não tivesse vindo aqui senhorita, eu não precisaria fazer o que terei de fazer.” Disse Sebastião em uma voz calma e tranquila.
“Não há mal nesse mundo que possa fazer a minha pessoa Sebastião, sabe disso.”
“Não acredito em contos de fadas senhorita.”
“Não se é preciso acreditar Sebastião, não é preciso nem entender, só é preciso ouvir, me ouça Sebastião.” Disse por fim antes de começar a cantar.
Não era uma música de amor, ou de esperança, não era nem uma música, nada rimava, apenas as batidas do meu coração com as de Sebastião, indo lentamente, mais devagar, mais devagar, mais devagar…até…parar, até a maldade no coração de Sebastião morrer e parar.
Não tinha mais gritos, não tinha mais medo, nada tinha onde um dia tinha muitas coisas, nada havia de mal em local nenhum.
Apenas amor, amor de Sebastião por mim, pela moça presa ali comigo, pela vida, por tudo que havia nesse mundo.
O amor cura, de todos os males, de todas enfermidades e de tudo mais que possa maltratar o corpo ou a alma.
Anos se passaram, e sei, que mesmo depois da minha morte o pequeno povoado de Falcão, na fronteira do Rio com Minas, a minha lenda, a lenda da Canção de Amor de Sara Winter, a canção da cura por amor, pelo amor, iria ali durar mais mil anos e ainda sim teria alguém que se lembraria do amor de Sara pela vida.
Você tem que se lembrar que eu amo a sua vida também, Mormor <33
ResponderExcluir